Um em cada cinco estudantes que ingressaram no ensino superior em 2014 pelo Enem evadiram completamente do sistema (ou seja, abandonaram o curso e não retornaram para nenhum outro) até 2019. Os dados, inéditos, constam de um estudo recém-publicado pelos pesquisadores Gustavo Bruno de Paula e Felícia Picanço, na revista científica Educação e Sociedade. O trabalho mostra ainda que alunos negros e de menor nível socioeconômico têm chances maiores de abandono, mas que o perfil das instituições e políticas de apoio desde o primeiro ano de ingresso faz muita diferença na decisão de parar de estudar.
Uma das maiores contribuições do estudo é investigar, com maior profundidade, o perfil dos alunos que deixam de estudar no ensino superior e que não voltam a se matricular depois em outro curso ou instituição. Isso é extremamente relevante para as políticas públicas, pois o indicador oficialmente divulgado pelo Inep é a taxa de desistência do curso, que mostra o nível de abandono, mas não capta se o aluno migrou para outro curso ou instituição e, dessa forma, deu continuidade aos estudos. Por exemplo, pelos critérios utilizados pelo Inep, 56% dos universitários que ingressaram no sistema em 2014 por todas as vias (e não apenas pelo Enem) eram considerados desistentes do curso em 2019.
Para mensurar de forma mais precisa o fenômeno da evasão completa do sistema e os grupos sociais mais afetados, os pesquisadores cruzaram bases de dados do Enem de 2013 e dos Censos da Educação Superior de 2014 a 2019. Pela metodologia adotada no estudo, quase metade (45%) dos que evadiram em algum dos anos analisados retornaram, até 2019, em algum outro momento a um curso superior. Com isso, a taxa de evasão completa do sistema foi de 21% no período analisado.
Considerando as profundas desigualdades que marcam a sociedade brasileira, o estudo chegou a algumas conclusões, infelizmente, não surpreendentes. Por exemplo, estudantes negros têm 6% a mais de chances de evasão do que os brancos. Aqueles cujos pais completaram, no máximo, o ensino fundamental ou médio têm, respectivamente, 22% e 17% mais chances de evasão em relação aos filhos de pais com nível superior. A renda, porém, foi o fator mais explicativo: indivíduos com renda mensal familiar até um salário-mínimo apresentaram 63% mais chances de evadir em relação àqueles com renda acima de cinco salários-mínimos.
A modalidade de ensino e o perfil da instituição, porém, fazem muita diferença. Por exemplo, ingressantes em cursos a distância têm 37% a mais de chances de evasão do que aqueles no presencial. Em instituições privadas com fins lucrativos, o risco é 32% maior em relação aos ingressantes em públicas federais. Em todos os tipos de instituição, estudantes de menor renda são mais propensos a evadir, com exceção da rede federal. Os autores sugerem duas hipóteses para explicar esse melhor resultado nas federais: a gratuidade e o processo seletivo mais concorrido, o que faz com que a diferença no desempenho acadêmico de jovens de grupos mais vulneráveis seja menor em relação às demais instituições.
Por fim, igualmente fundamental para o desenho de políticas públicas e para estratégias de instituições privadas, o recebimento de apoio social e a participação em atividades extracurriculares no primeiro ano de ingresso fazem muita diferença, pois aqueles sem acesso a essas oportunidades tiveram, respectivamente, 66% e 81% a mais de chances de evasão.
Fonte: O Globo