Levei algum tempo para encontrar uma analogia adequada que representasse, de forma clara, a importância real dos quatro fatores essenciais de gestão universitária. Encontrei!
Em uma emblemática coletiva de imprensa de 2011, a Nokia cedeu sua divisão de dispositivos móveis à Microsoft. O então CEO da empresa, Stephen Elop, proferiu uma frase que ressoa na eternidade do mundo corporativo: “Não fizemos nada de errado, mas, de alguma forma, perdemos”.
Esse episódio, que ocorreu há mais de uma década, impõe uma realidade que deveria tirar o sono de todo gestor universitário: uma organização não falha apenas por fazer algo errado, mas também por fazer bem as mesmas coisas durante tempo demais. Já viu esse filme em sua IES?
Talvez vivamos o suficiente para testemunhar o dia em que dirigentes terão apenas uma vaga lembrança dos tempos em que as IES eram administradas sem um framework que contemplasse inovação e mercado, além dos fatores acadêmicos-pedagógicos e administrativos.
O objetivo da abordagem dos quatro fatores essenciais para gestão universitária é transformar IES com ambidestria organizacional.
Espaços capazes de explorar eficientemente suas competências atuais enquanto inovam para o futuro, que sejam dinâmicos e rápidos em sua capacidade de se adaptar às mudanças do mercado e resilientes perante os desafios constantes do setor educacional.
Dezenas de IES nos estados do Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná e Rio de Janeiro passam pela introdução dessa metodologia para um reposicionamento estratégico. O movimento não apenas redefiniu suas trajetórias educacionais, mas também as impulsionou para posições de destaque no cenário acadêmico brasileiro.
Essas IES não se diferenciaram apenas pela inovação e oferta de cursos alinhados às demandas contemporâneas do mercado de trabalho, mas também pela qualidade e pela relevância em seus modelos pedagógicos. Estamos falando da criação e implementação de portfólios de diferenciais competitivos para mais de 200 cursos de graduação e da qualificação de centenas de gestores.
A metodologia reestruturou currículos, processos de gestão e estratégias de marketing, transformando essas IES em modelos de excelência e inovação. Como resultado, elas não apenas aumentaram sua atratividade para novos alunos, mas também fortaleceram suas relações com a comunidade acadêmica e o setor empresarial, criando uma sinergia que amplifica o impacto e o valor da educação superior.
A inovação neste cenário é orientada pelo design, com um olhar atento aos dez tipos de inovação da Doblin/Deloitte, que incluem:
Estas áreas, muitas vezes negligenciadas pelas instituições de ensino superior, apresentam oportunidades valiosas para revitalizar tanto a oferta educacional quanto a experiência do estudante. Ao explorar esses dez tipos de inovação, as IES podem encontrar novas formas de criar valor, melhorar a entrega de seus serviços educacionais e fortalecer a conexão com seu público-alvo.
Este tipo de inovação estratégica, seguindo o espectro completo dos dez tipos de inovação, não apenas pode revolucionar como as IES operam, mas também como elas constroem valor tanto para os estudantes quanto para a sociedade.
É intrigante observar como o segmento de infoprodutores, muitas vezes marginalizado e taxado de reduto de “charlatões digitais”, na verdade, exibe uma compreensão notável e eficaz do marketing digital. Eles utilizam técnicas sofisticadas, como storytelling, personas, gatilhos mentais, e focam na venda da transformação que seus produtos promovem, jamais nos produtos em si. Qualquer semelhança com “vestibular de verão” ou “transferência” não é mera coincidência.
A exemplo do que ocorre com conteúdos e sistemas para aumento da performance acadêmica para ENADE, curricularização da extensão, laboratórios virtuais, a profissionalização da máquina de vendas de uma IES, muitas vezes, passa pela terceirização desta que é uma das principais áreas de qualquer negócio.
Paradoxalmente, as IES, que poderiam se beneficiar imensamente dessas estratégias para revitalizar sua presença no mercado, frequentemente as ignoram ou rejeitam, preferindo se apegar a métodos tradicionais de marketing. Essa hesitação as coloca em risco de perder relevância e destaca uma desconexão preocupante com as práticas contemporâneas que têm se mostrado eficazes em engajar e expandir audiências.
Não é uma apologia ao microgerenciamento, mas as IES enfrentam uma cadeia de suposições que obscurecem a gestão eficaz. A desconexão entre reitores, pró-reitores, diretores e gerentes gera uma gestão nebulosa e impacta a performance, evidenciando a necessidade urgente de uma administração transparente, eficiente e baseada em dados.
Instituições que ainda se concentram em debater indicadores como IGC, CPC e ENADE, pois ainda não os dominaram, e negligenciam a integração da inteligência artificial (IA) no processo de ensino-aprendizagem, caminham a passos largos para a irrelevância.
A personalização do ensino através da IA, que ajusta o conteúdo de forma precisa às necessidades de cada estudante não só torna o aprendizado mais eficaz, mas também garante uma experiência educacional envolvente e produtiva. Ignorar essa evolução e permanecer preso a discussões obsoletas é equivalente a debater a relevância das fitas cassete em uma era dominada pelo streaming.
Em um cenário onde a tecnologia e a inteligência artificial oferecem oportunidades sem precedentes para a customização do ensino, limitar a discussão às metodologias, por mais que sejam cruciais, pode restringir o potencial de transformação educacional.
A verdadeira revolução está em integrar essas metodologias inovadoras com soluções de personalização, garantindo assim que a educação não só engaje e motive, mas também atenda às necessidades e ao ritmo de aprendizado de cada estudante individualmente.
Muitas vezes, reitores subentendem que seus pró-reitores detém domínio absoluto do que é preciso ser feito em relação ao ENADE, por exemplo. Os pró-reitores, por sua vez, subentendem que seus diretores acadêmicos sabem exatamente o que fazer.
Já os diretores, acreditam que seus gerentes ou coordenadores estão operando a estratégia. Por fim, os coordenadores subentendem que seus professores dominam todos os aspectos relacionados aos conteúdos de componentes específicos previstos em portaria do ENADE relacionados as suas disciplinas. No final do dia, o ENADE é 2 ou 3. A conta não fecha, não é?
A profissionalização da gestão no ensino superior pode ser resumida nos três Ps: Pessoas, Processos e Produto.
Quando dirigentes aplicam técnicas como Objetivos e Resultados-Chave (OKRs) e Indicadores-Chave de Desempenho (KPIs) nesses três pilares, a liderança começa a ser levada a sério, impedindo que gestores se tornem máquinas de triturar pessoas e destruir performance.
A implementação de tecnologia e o aprimoramento dos processos aumentam a confiabilidade e eficiência operacional, criando as condições ideais para que os produtos educacionais alcancem um padrão de excelência e inovação.
A reflexão provocada pela declaração de Stephen Elop naquele momento crítico da Nokia serve como um alerta ao segmento educacional em todos os níveis. A história nos mostra que não é suficiente fazer bem o que sempre foi feito; é necessário evoluir, inovar e adaptar-se às novas realidades e demandas.
O episódio da Nokia destaca a urgência de uma abordagem proativa na gestão universitária, incorporando fatores de inovação, mercadológicos, acadêmicos- pedagógicos e administrativos de forma estratégica e coerente.
À medida que avançamos, torna-se claro que o sucesso e a relevância futura das IES dependem de sua capacidade de olhar além dos métodos tradicionais, abraçando a inovação e adaptando-se às mudanças com agilidade e visão de futuro.
O destino da Nokia não precisa ser o destino das nossas IES. Ao invés disso, podemos aprender com esse capítulo da história corporativa, assegurando que nossas instituições não apenas sobrevivam, mas prosperem em um ambiente cada vez mais dinâmico e competitivo.
Convido os dirigentes universitários a refletir sobre a curva de tendência que se desenha no horizonte do setor. O panorama é claro: a ambidestria organizacional não é mais uma opção, mas uma necessidade latente para IES que aspiram não apenas a sobreviver, mas a prosperar neste cenário em constante evolução.
A adoção de um framework de gestão que contemple tanto a exploração das competências atuais quanto a exploração de novas oportunidades de inovação é essencial. Esta dualidade estratégica permitirá que as IES se posicionem de maneira proeminente no cenário acadêmico, alinhando-se às demandas contemporâneas e futuras do mercado e da sociedade.
Estamos vivendo um ponto de inflexão, onde a inércia ou a hesitação podem custar a relevância, ou até mesmo a existência de IES. Portanto, urge que as lideranças educacionais incorporem a ambidestria em suas estratégias organizacionais, equilibrando de forma hábil a inovação com a eficiência, a personalização com a escala, e a tradição com a vanguarda tecnológica.
Fonte: Desafios da Educação