A empregabilidade dos alunos e egressos é uma das preocupações mais urgentes das IES, tanto para aplacar o descrédito dos jovens no ensino superior quanto pelo fato de que o índice revela a capacidade de oferecer profissionais para o mercado, que frequentemente aponta déficit de qualificação. A queixa de ambos os lados tem evidenciado nos últimos anos o gap entre universidades e empresas. As IES têm se esforçado no sentido de superá-lo.
Na Universidade Santa Cecília, a Unisanta, em Santos, a criação de um hub de inovação corporativa resultou na concretização de duas iniciativas. A Universidade Corporativa Portuária da América Latina, inaugurada em agosto de 2023, tem entre suas parceiras a Brasil Terminal Portuário (BTP), uma joint venture da Maersk e da MSC, e a Usiminas, que atua em Cubatão, cidade vizinha. Outro projeto, as salas patrocinadas, tem entre os parceiros a empresa Aignep, da indústria pneumática, do grupo italiano Bugatti.
Quem comanda as iniciativas é Rafael Pedrosa, diretor de relacionamento com empresas e de pós-graduação da Unisanta. Aos 38 anos, Pedrosa acumula 15 deles na docência. “Comecei cedo.” As seis graduações, entre elas engenharia, comércio exterior, e gestão portuária e logística, além das seis especializações, mestrado e doutorado, lhe conferiram não só expertise no ensino superior como visão privilegiada da economia local. Parte da sua formação foi na Unisanta, na qual colabora desde 2018, propondo cursos de pós-graduação na área portuária, e há cerca de dois anos assumiu os dois cargos.
O objetivo da criação do hub é o de estabelecer uma nova forma da Unisanta de se relacionar com o mercado, tanto do ponto de vista acadêmico quanto comercial. “Começamos com treinamentos in company para colaboradores da empresa, mas também aulas in company para os alunos. Eles passaram a estar presentes no local onde as coisas acontecem.” A empresa torna-se uma incubadora do processo de aprendizagem do aluno, diz Pedrosa.
O projeto andou, se consolidou, deu tão certo que Pedrosa propôs a criação da universidade corporativa. “As empresas bancam esse processo que qualifica primeiro os colaboradores que não têm ensino superior e, numa etapa seguinte, vai alcançar a sociedade civil, principalmente as pessoas mais carentes, por meio da ampliação da universidade corporativa.”
As aulas podem acontecer na empresa ou na Unisanta, em todas as modalidades. Na parceira BTP, por exemplo, para alguns níveis profissionais há a necessidade de EAD. “São profissionais que operam equipamentos da ordem de 80 milhões a 100 milhões de euros.”
O levantamento do perfil formativo do profissional fez parte do estudo realizado por Pedrosa. “Era preciso mostrar para as empresas a importância de qualificar esses profissionais, inclusive aqueles que são da área operacional, que lidam com equipamentos tão caros, para que pudessem ter um senso maior do todo e isso tem refletido, inclusive, em índices de quebra menor e aumento de produtividade.”
Dentro desse novo escopo, houve aumento de empregabilidade e da assertividade dos alunos nos processos seletivos. Em 2023, o aumento da empregabilidade foi de 46%, entre os alunos que participaram das aulas in company. Para 2024, Pedrosa espera dobrar esse percentual. As empresas custeiam o projeto e, além da formação e treinamento de seus colaboradores, outro benefício “é o de terem as marcas delas consolidadas com o profissional do futuro, ou seja, também se tornam objetos de desejo”, acrescenta Pedrosa.
Expandir a inovação acadêmica e tecnológica, ampliar a infraestrutura e construir a ambiência necessária para a sinergia com o mercado, sobretudo na pós-graduação, foram os objetivos de Pedrosa na criação do projeto das salas patrocinadas.
Com custos em torno de R$ 1 milhão, para a criação das salas patrocinadas, o investimento da IES é zero e os equipamentos instalados passam a pertencer à IES. “A última sala que entregamos tem internet nativa, ela não depende nem da internet da universidade, a única coisa que usa é a energia elétrica, todo o resto é uma ilha, tem vida própria”, conta Pedrosa. Sendo um naming right, a empresa explora o nome dela no espaço, com identidade visual interna e elementos que remetem a seus produtos. Permanece também a identidade visual da IES, para que o espaço não seja um elemento estranho.
Na parceria com a Aignep, prevaleceram a tradição da Unisanta na formação de engenheiros, estudos prévios e um bom plano de negócios. “Fui até à sede da empresa na Itália. Entendendo os processos que eles viviam lá, construímos uma parceria e fizemos um laboratório de engenharia que é o mais moderno do país, temos equipamentos no laboratório que a indústria brasileira ainda não tem.”
Para Pedrosa, essa transformação do espaço “mexe com a autoestima do docente, do aluno e também com a autoestima das empresas, no sentido de se sentirem parte do processo de formação dos profissionais que vão para o mercado”.
A lógica do ganha-ganha se estabelece. A empresa começa a trazer parceiros para conhecer o espaço no âmbito universitário e faz a roda girar, inclusive, com treinamento de funcionários desses parceiros. Além disso, há uma exposição da marca para um público extremamente qualificado e rotativo. Para a IES, a iniciativa e a divulgação começaram a provocar transferências de alunos.
Um dos maiores ganhos é possibilitar que a universidade vá além do ambiente acadêmico, diz Pedrosa, é ela se tornar um lugar onde as empresas se encontram. “Uma parceria vem com a outra, então tenho o grupo Bugatti com a BTP, que conversa com a Usiminas, por meio desse ambiente.”
Outra vantagem é que a tecnologia das salas patrocinadas permite, ainda, cursos de pós-graduação a distância síncronos, portanto, com tickets de cursos presenciais. “Hoje temos uma turma de 16 alunos portugueses do Porto de Sines no MBA de gestão portuária e operações internacionais”, conta Pedrosa, já pontuando na internacionalização da marca Unisanta.
É preciso um plano de negócios e evidenciar para as empresas a importância delas na formação dos profissionais. “Em qualquer relação da vida, a melhor forma de engajar as pessoas é fazê-las participar do processo”, enfatiza o diretor.
“O que falta para as parcerias ocorrerem com as universidades é, muitas vezes, o propósito. É o empresário entender por que ele vai investir. E esse é o nosso papel, desenhar um projeto que estabeleça o ganha-ganha. É bom para mim, mas é excelente para você.”
Evidenciar a importância da formação com números também ajuda no convencimento. “Por exemplo, fui mensurar o custo do turnover de contratação e de demissão de profissionais que ficam menos de seis meses nas empresas”, conta Pedrosa.
Para criar a sinergia com o mercado, num segmento para o qual a IES tem vocação, a melhor maneira é evidenciar que formamos tomadores de decisão nas empresas, no presente e no futuro. “E quanto mais essas empresas estiverem presentes no core, no mental, no dia a dia desses alunos, maior a probabilidade de elas se tornarem parceiras nas empresas que eles estão gerindo.” No caso da Aignep, por exemplo, engenheiros formados na Unisanta atuam principalmente no grande polo industrial de Cubatão, que tem empresas como Usiminas e Petrobras.
Internamente, a IES também precisa estar preparada para se transformar num ambiente de negócios e, para isso, devem ocorrer quebras de paradigmas. “As resistências são inerentes ao processo. A habilidade de pegar pela mão e trazer para dentro desse processo é o que faz a diferença”, finaliza Pedrosa.
Fonte: Revista Ensino Superior