Quando Scott McAulay estava no último ano de Arquitetura na Universidade Strathclyde, na Escócia, em 2018, a Organização das Nações Unidas (ONU) publicou um relatório alertando que o mundo tinha só 12 anos para impedir mudanças climáticas catastróficas e irreversíveis.
O estudo afirmava que os edifícios eram responsáveis por 20% das emissões globais de gases de efeito estufa relacionadas com a energia. Logo, os setores de Arquitetura e Construção precisavam de rever rapidamente as suas práticas.
Mas, naquela ocasião, Scott teve uma sensação desanimadora: seus professores não falavam sobre mudanças climáticas. Será que algo mudou desde então?
Se não mudou, deveria ter mudado. Afinal, o mundo vive a maior crise climática de sua história. De acordo com o serviço europeu de mudança climática Copernicus, 2023 foi o ano mais quente no planeta Terra desde 1850 – e a situação tende a piorar.
Como consequência, o planeta terá cada vez mais ondas de calor extremo, secas e ciclones, além de tempestades severas e enchentes como as que afetaram 90% das cidades do Rio Grande do Sul em 2024.
Enchente histórica no RS é lembrete da crise climática
O volume imenso de chuva que caiu entre o fim de abril e o início de maio de 2024 provocou a maior tragédia climática do Rio Grande do Sul. Até o momento em que esta matéria era escrita, a Defesa Civil calculava 147 mortos. O número provavelmente iria subir, já que 127 pessoas estavam desaparecidas.
A água da chuva elevou o nível dos rios e arrasou municípios do interior, como Muçum, Lajeado, Roca Sales e Arroio do Meio. Posteriormente, a água desembocou no Lago Guaíba, elevando-o a patamares jamais vistos. Cidades como Guaíba, Eldorado do Sul, Sapucaia do Sul, Esteio e Canoas foram alagadas.
Em Porto Alegre, o nível do Guaíba chegou a 5,35 metros, superando a grande enchente de 1941, quando atingiu 4,76 metros. O aeroporto, a rodoviária e diversas áreas do centro e da zona norte ficaram embaixo d’água. As principais estradas de acesso à capital gaúcha e no interior também ficaram bloqueadas ou fechadas.
O secretário-geral da ONU, António Guterres, lamentou e disse em nota que as enchentes no Rio Grande do Sul “são um lembrete dos efeitos devastadores da crise climática sobre vidas e meios de subsistência”.
Mais de meio milhão de pessoas foram desalojadas no RS em razão da grande enchente de 2024. Cerca 2,1 milhões estavam afetadas em alguma medida.
Crise climática e ensino superior
Não há mais tempo para reverter as mudanças climáticas. Mas existem muitos caminhos para mitigar a crise do clima tanto quanto para lidar com eventuais desastres ambientais. E as instituições de ensino superior (IES) têm papel importante nisso.
Em 2019, a York St John University iniciou um projeto de pesquisa para descobrir o que os estudantes sentiam em relação as mudanças do clima. A descoberta foi que a preocupação era grande e até avassaladora – e que muitos se sentiam intimidados pela sua escala e gravidade.
Essa preocupação, no entanto, vem junto com uma cobrança: qual é o papel das IES no enfrentamento da crise climática?
Em entrevista à revista Times, Walter Leal, chefe do Departamento de Gestão das Alterações Climáticas da Universidade de Ciências Aplicadas de Hamburgo, explica que até recentemente a abordagem da crise climática dentro das IES só aparecia em cursos específicos de pós-graduação.
“O estudo das alterações climáticas foi durante décadas uma questão para as Ciências Naturais e, mais tarde, para a Engenharia e outras disciplinas com base científica”, diz. Mas, como os efeitos do aquecimento global se tornaram mais visíveis nos últimos anos, o entendimento de como lidar com o problema também na graduação se tornou mais nítido.
Uma abordagem interdisciplinar
Já existem exemplos de faculdades de Direito, Medicina, Literatura, Economia e muitas outras que estão incorporando o tema em seus currículos. Essas IES também procuram entender como a crise climática transformará o mercado de trabalho.
Mesmo assim, muitos estudantes não aprendem sobre questões ambientais em suas profissões. E existem obstáculos para cumprir esse tipo de aprendizagem dentro dos currículos mais tradicionais. É por isso que o caminho defendido por especialistas não é apenas integrar o desenvolvimento sustentável no ensino superior, mas sim formar profissionais para um mercado de trabalho que lide com as questões climáticas.
As instituições de ensino superior têm o papel de formar os profissionais do futuro. Por isso, todo aluno interessado em uma carreira relacionada ao meio ambiente deverá ser capaz de adquirir os conhecimentos necessários durante a sua graduação.
Mas para além disso, as IES devem garantir que todos os estudantes aprendam as habilidades necessárias para enfrentar a crise climática dentro das suas áreas académicas e profissionais escolhidas. É neste cenário que especialistas defendem que os currículos de todos os cursos devem abordar o impacto que as mudanças do clima têm na economia, na sociedade e nas pessoas.
Aprendizagem baseada em projetos
Outra forma das IES abordarem sobre a crise climática é por meio da aprendizagem baseada em projetos (ABP), em que funcionários, estudantes e outros membros da comunidade possam colaborar. Com essa abordagem, as pessoas trabalham juntas para resolver problemas da comunidade, apresentando e testando ideias.
No início de 2022, a York St John University decidiu investir na metodologia. A ideia era os alunos usarem seus conhecimentos e habilidades para ajudar a resolver problemas reais da instituição ou da comunidade local. Um dos principais projetos foi a elaboração do sistema de alimentação da universidade. Aproximadamente 800 estudantes de diferentes cursos trabalharam juntos na iniciativa.
Abordagens como essa oferecem aos alunos a oportunidade de experimentar processos de aprendizagem social colaborativos com resultados tangíveis. E incentivam as IES a direcionar recursos e conhecimentos para a resolução de questões locais e climáticas.
Fonte: Desafios da Educação