Candidatos que se inscreveram no Fundo de Financiamento Estudantil (Fies) do 1º semestre de 2024 afirmam que erros do Ministério da Educação (MEC) no processo seletivo estão atrapalhando a convocação de novos alunos na lista de espera.
Os estudantes — que disputam mais de 67 mil vagas para fechar contratos de empréstimo e pagar a graduação — relatam falhas técnicas, demora excessiva na fila de espera e outros problemas que, na visão deles, exigiriam uma ampliação do prazo de inscrições.
Ainda assim, a pasta afirmou a esse grupo, por e-mail, que não mudará as datas do programa. Até a mais recente atualização desta reportagem, o MEC não havia respondido às perguntas enviadas pelo g1.
Em resumo, as queixas do estudantes são as seguintes:
Além disso:
Abaixo, entenda os detalhes dos problemas:
Os alunos que foram pré-selecionados na 1ª chamada (divulgada em 28 de março) tinham de enviar, como é de praxe, uma série de documentos para a universidade. O sistema eletrônico usado pelas instituições de ensino, no entanto, apresentou problemas técnicos e atrasou esse processo.
Por isso, o MEC aumentou o prazo para a etapa de conferência de dados pessoais. Segundo relatos enviados à reportagem, mesmo assim, as falhas não foram corrigidas e continuam atrasando as matrículas.
"O sistema de acesso das faculdades oscilou muito, falhou e comprometeu os prazos. Foi uma correria gigante [desde o início]", explica Rogério*, coordenador de bolsas e financiamento de uma instituição de ensino privada.
"É comum termos intercorrências no Fies, mas, neste ano, foram muitas mudanças [nas regras do programa] em pouco de espaço de tempo. É como trocar o pneu com o carro andando", diz.
Acontece, então, um efeito cascata:
Quando um candidato que passou na 1ª chamada não efetiva a matrícula ou não entrega os documentos a tempo, a vaga é transferida para a lista de espera (todos os reprovados disputam essa segunda chance). Em geral, a lista "roda" várias vezes, e novos alunos vão sendo convocados. O período para essa "repescagem", segundo o edital, vai de 28 de março a 30 de abril.
No entanto, jovens ouvidos pelo g1 afirmam que a lista de espera não está "rodando" como em anos anteriores. A primeira saiu em 28 de março, como era previsto, mas a segunda só foi divulgada em 18 de abril. Desde então, afirmam os estudantes, nenhum outro nome foi convocado.
Provavelmente, o que explica essa lentidão é justamente o problema no sistema de entrega dos documentos.
Forma-se um ciclo: os candidatos pré-selecionados não conseguem completar a matrícula -> o MEC prorroga o prazo para esses alunos entregarem os documentos --> as vagas ficam "represadas" e não são liberadas para as listas de espera.
"Durante os 20 dias em que a lista não 'rodou', tive crises de ansiedade constantes, e não consegui ser produtiva nem no trabalho, nem nos estudos", conta Alice Rêgo, de 20 anos, de Xinguara (PA).
Ela busca uma vaga em medicina. "Acho que o pessoal do MEC não tem noção do quão difícil é, porque isso mexe com um sonho gigante. Tento vestibular há 5 anos, e o Fies é minha esperança de realizar isso. Estão acabando com a minha saúde mental."
Maria Eduarda Souza, de 24 anos, também está aflita com a lentidão das listas de espera.
"Estou arrasada, porque só tem uma pessoa na minha frente [na 'fila']. Conversei com alguns alunos que foram convocados para essa mesma faculdade [em Maceió] e que não se matricularam, mas as vagas deles não foram disponibilizadas para mais ninguém depois", conta.
Diante do problema nos mecanismos de matrícula, instituições de ensino estão com vagas do Fies ociosas: nem são ocupadas pelos convocados na 1ª chamada, nem vão para a lista de espera.
"Se continuar dessa forma, muitas vagas não serão preenchidas e muitos vão perder a oportunidade de estudar e conseguir concretizar um direito fundamental e garantido pela Constituição Federal de 1988", escreveram candidatos em um e-mail enviado ao MEC. "Precisamos ter uma prorrogação no prazo final para divulgação das listas de espera."
A pasta respondeu aos estudantes, em mensagem obtida pelo g1, que “não vislumbra possibilidades de prorrogação”.
Jhessyka Neves, de 33 anos, afirma que ficou desnorteada com esse retorno.
"A gente fica aguardando, paga cursinho, não sabe se vai pra frente ou pra trás, e a lista não roda. Estou vendo pelo site que tem vaga ociosa, que não tá sendo preenchida", conta a candidata a medicina.
Na segunda lista de espera divulgada pelo MEC, há elementos que não respeitam determinadas regras do programa.
O Fies permite que cada candidato se inscreva em até 3 opções (A, B e C) de curso/faculdade, em ordem de preferência. Se, na 1ª chamada, a pessoa for convocada para a alternativa C, por exemplo, não terá o direito a concorrer na lista de espera para a A ou a B.
Resumindo: passou em alguma das suas opções de graduação? Você pode se matricular nela ou abrir mão do Fies neste semestre. Não há chance de disputar a "repescagem" nas suas outras alternativas.
Essa regra existe justamente para dar mais chance a todos os alunos que disputam o financiamento. No entanto, o sistema falhou: há registros de candidatos que já tinham sido aprovados na primeira chamada e que, ainda assim, foram selecionados novamente na lista de espera.
É o caso de Marina*, que passou "direto" em uma vaga de medicina pelo Fies, mas não quis se matricular e, por isso, nem entregou os documentos para o financiamento.
Automaticamente, ela já deveria ter sido excluída do processo seletivo. Só que... seu nome apareceu novamente na lista de espera do Fies, em outra opção de graduação. Ou seja: foi aprovada duas vezes.
"Quando vi o e-mail com essa segunda convocação, fiquei preocupada e nervosa, porque sabia de um monte de gente que precisava da vaga e que estava apreensiva. Confrontei a faculdade, já que isso não poderia ter acontecido pelas regras do Fies. Confirmaram que meu nome estava entre os selecionados [de novo]. Enquanto isso, outras pessoas estão tentando se matricular", conta ao g1.
Fonte: g1