Cresce a representação feminina na política do setor de educação
As mulheres são a maioria dos estudantes do ensino superior do Brasil; no quadro de docentes são os homens que levam vantagem numérica, embora haja um equilíbrio. Mas, quando se chega ao topo da gestão das instituições de ensino e aos cargos políticos das associações, a representação feminina se torna escassa. Esse quadro de desigualdade, contudo, começa a dar sinais positivos de mudança.
Embora mulheres ainda sejam minoria nos corpos diretivos e nos conselhos das associações, nos últimos anos elas finalmente chegaram aos cargos de liderança. Chegaram com força, e para ficar. Dos três principais grupos do Brasil, dois têm presidentes mulheres e, na terceira, há uma mulher na vice-presidência.
A presidente atual do Semesp, Lúcia Teixeira, foi reconduzida ao cargo em março para mais uma gestão. Foi a primeira mulher eleita – e agora reeleita – a ocupar a presidência da instituição que nasceu em 1979. “É significativo que na primeira eleição, em 2021, em plena pandemia e então sob a liderança do querido amigo de tantos anos, professor Hermes Ferreira, a indicação do meu nome foi resultado de consenso, o que voltou a acontecer neste segundo mandato”, afirma ela.
Além da presidente, a diretoria do Semesp tem hoje outras quatro mulheres; são ao todo 22 cargos. O conselho consultivo tem 25 posições, sendo 7 delas ocupadas por mulheres.
Lúcia reconhece que os desafios dela no Semesp são os desafios do setor, algo que independe de o presidente ser homem ou mulher. Contudo sabe que ser mulher traz alguns obstáculos extras, mas nada que ela e outras gestoras não sejam capazes de superar. “Por ser mulher aprendi a agradecer pelas dificuldades que ainda enfrentamos, que nos fortaleceram nessa caminhada”, diz. E defende ainda que o jeito feminino tem características próprias, que podem ser benéficas para altos cargos: “Acredito que as mulheres também têm um papel fundamental na prevenção e resolução de conflitos”.
Ainda há preconceito
A Anup – Associação Nacional de Universidades Particulares, criada em 1989, tem hoje sua primeira presidente mulher, Elizabeth Guedes. Assim como Lúcia no Semesp, ela está no segundo mandato consecutivo. Elizabeth integra também o Conselho Nacional de Educação, é presidente da Câmara de Ensino Superior (CES) da Confederação Brasileira dos Estabelecimentos de Ensino (Confenen) e vice-presidente do Sindicato das Mantenedoras de Ensino Superior do Rio de Janeiro (Semerj).
Ter chegado a vários lugares de destaque não significa que tenha trilhado um caminho fácil. Conseguiu se impor em um “clube do bolinha” com uma personalidade forte e muito trabalho. “Sou uma pessoa com muita energia, sem medo de nada. Meu pai sempre me dizia que, antes de ser mulher, sou um ser humano”, conta ela.
Começou sua trajetória no ensino superior ao fundar o Ibmec em São Paulo. “Eu era funcionária pública, mas decidi empreender. Dirigi o Ibmec por mais de dez anos e foi um case de sucesso, ficou famoso. Por uma desavença entre os sócios, em 2003 vendi minhas ações e sai”, recorda.
A partir de então, trabalhou para a rede internacional Laureate, quando o grupo ainda nem tinha entrado no mercado brasileiro. “Fiquei um ano como consultora, depois me contrataram como executiva”, conta. No grupo, teve várias posições de liderança, foi reitora e vice-reitora de instituições em diferentes partes do Brasil.
Segundo Elizabeth, o setor é muito masculino e, ainda hoje, ela enfrenta preconceitos por ser mulher. “Já sofri até ameaças. Se fosse homem, teria menos resistências às coisas que eu falo”, diz ela, que relembra um caso recente. “A pedido de um associado, entrei com um pedido de avaliação de uma lei no STF. Por causa disso, me acusaram moralmente. Se fosse um homem, poderiam discordar, mas não seria dessa forma”, afirma.
O julgamento moral da mulher acaba sendo feito em várias esferas. Como no caso dos eventos e encontros sociais fora do ambiente institucional. “Os homens se sentam em um restaurante e ficam até de madrugada, bebem litros de vinho – e ninguém diz nada. Se sou eu, as pessoas reparam o quanto eu bebi, que horas eu voltei – e isso entra na conta profissional”, diz.
Para outras mulheres no setor, aconselha que fortaleçam sua autoestima, porque é preciso se importar pouco com o que os outros pensam para alcançar sucesso. “Tenho uma medida: a cabeça tranquila no travesseiro. E não vou me importar com o que dizem de mim pelas costas. Se alguém tiver um problema comigo, que venha falar de frente. Nós, mulheres, somos cordiais, compreensivas e prezamos pelo respeito, mas não somos bobas”, afirma.
Mais cobrança
Na Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior (Abmes), a mulher atualmente de maior destaque é Débora Guerra, no cargo de vice-presidente. A associação ainda não teve uma mulher na presidência, mas Débora é a segunda no posto; em 2009 Carmem Silvia foi a primeira VP. Débora é ligada a uma instituição no interior de Minas Gerais. “Meu pai fundou a instituição em 2000; eu trabalhei em várias áreas na faculdade, desde o marketing até a área acadêmica. Entre 2008 e 2009 comecei a ir a Brasília para entender a parte regulatória, como fazer faculdade virar centro universitário, como abrir oferta também de EAD”, relata.
Acabou construindo uma trajetória focada no apoio a IES pequenas e médias, sobretudo fora dos grandes centros – desde 2012 faz parte da diretoria da Abmes. “As pequenas têm um papel estratégico e social importantíssimo para o país”, ressalta.
Nas batalhas que trava para a causa das pequenas IES, percebeu que a cobrança que sofre é maior por ser mulher. “A mulher tem de provar mais qualidade de trabalho. Eu não senti dificuldade em chegar aos lugares, mas tenho de ter muito preparo, muito conteúdo – e eu sempre estudei muito. Isso não é só do olhar masculino: vem do feminino também. A mulher olha para quem está em destaque e quer entender se está sendo bem representada ali”, conta.
Porém, não há dúvidas de que a situação hoje é mais confortável do que para as gerações anteriores. “Antes, a mulher não falava o que pensava, porque a mulher que falava demais era mal vista. Mas a gente está se fortalecendo, se preparando, enfrentando os preconceitos e perdendo o medo de falar. Não vou ter medo de dizer o que penso porque sei que sou a pessoa certa para ocupar esse lugar”, diz.
Sem perder o foco na liderança, Débora destaca que o trabalho para elevar outras mulheres deve incluir também a outra ponta, a das que vivem em situação de vulnerabilidade. “No Brasil temos um grande número de mulheres que enfrentam a pobreza menstrual. Não se trata só de absorvente, mas traz a questão da vergonha, o não sair de casa, que afeta a questão econômica delas. Temos de empoderar também quem está socialmente vulnerável”, afirma.
Fatores sociais e culturais ainda tornam lenta a ascensão feminina ao topo, seja na sociedade de forma geral, seja no ensino superior, nos cargos de reitoras, diretoras e dirigentes de entidades de classe. As duras conquistas de hoje são reflexo de um longo processo, que se iniciou há várias décadas. Mas o caminho já está sendo trilhado e as conquistas atuais tendem a acelerar o passo das mulheres que estão por vir.
Uma pioneira
A advogada Esther de Figueiredo Ferraz foi a primeira mulher reitora do Brasil – e de toda a América Latina. Ela esteve à frente da Universidade Mackenzie entre os anos de 1965 e 1969. O pioneirismo dela ficou marcado também por ter sido a primeira mulher titular do Ministério da Educação, de 1982 a 1985. E até agora, foi a única ministra.
Fonte: Revista Ensino Superior