Depressão e ansiedade em adolescentes e jovens adultos
De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), em todo o mundo, um em cada sete jovens de 10 a 19 anos enfrenta algum tipo de transtorno mental como depressão, ansiedade e problemas comportamentais, que caracterizam doença ou incapacidade nessa faixa etária.
Em nossas universidades observamos a cada semestre um conjunto crescente de jovens adultos com diagnóstico de ansiedade e/ou depressão. Muitos laudos entregues para justificar cuidados especiais com a vida acadêmica também denunciam o excesso de diagnósticos observados, e é impossível não pensarmos nas consequências.
A maioria utiliza-se de medicação e obviamente experimenta alterações comportamentais decorrentes desse uso. Qual a saída para esses problemas, e que crescem a olhos vistos? Que fatores influenciam essa “tendência”? E quais as consequências a curto, médio e longo prazo? Será que esse fenômeno permanecerá ou é apenas pontual, associado ao período pós-pandemia?
A adolescência e início da vida adulta marcam um período crítico para a saúde mental devido a uma combinação única de fatores biológicos, psicológicos e sociais que coexistem nessa fase da vida. Este período de transição comporta rápidas mudanças que podem tanto oferecer oportunidades para o crescimento saudável, quanto se constituírem em riscos significativos para o surgimento ou agravamento de transtornos de saúde mental.
Do ponto de vista biológico, o cérebro humano encontra-se numa fase intensa de desenvolvimento e reorganização, especialmente nas áreas responsáveis pela regulação das emoções, tomada de decisões e no controle dos impulsos. Essas mudanças podem tornar os adolescentes e jovens adultos mais vulneráveis a transtornos de humor, comportamento impulsivo e tomada de decisão de risco.
As mudanças hormonais também são significativas e podem afetar diretamente o humor e o controle das emoções. Juntamente com as mudanças cerebrais, podem contribuir para a vulnerabilidade emocional e a instabilidade, aumentando o risco de que a saúde mental seja afetada de forma negativa.
Além das influências físicas, do ponto de vista afetivo-emocional, a adolescência e início da fase adulta são períodos fundamentais para a formação da identidade e desenvolvimento da autonomia. É nesse momento que exploram e comparam quem são, o que valorizam e como se encaixam no mundo.
Essa busca pela identidade e autonomia são emocionalmente desafiadoras e, às vezes, podem levar a conflitos, baixa autoestima e diversos outros problemas. Por esse motivo é comum que se tornem mais vulneráveis a pressões de grupo, levando-os a participar de comportamentos de risco ou a adotar valores que não refletem suas verdadeiras crenças, apenas para se encaixar. Os comportamentos de risco, incluem o uso e abuso de substâncias, comportamentos sexuais pouco saudáveis e comportamentos impulsivos.
Em relação ao aspecto social, é nesse período que as pressões sociais e acadêmicas crescem e impactam a saúde mental e o bem estar geral. As expectativas de desempenho aumentam, as questões de pertencimento aos diversos grupos e aceitação social ganham destaque, a preocupação com a aparência fica evidente, o bullying e as questões de identidade de gênero ou sexualidade também podem surgir neste contexto. Além disso, há uma imersão num ambiente significativamente influenciado pelo impacto onipresente das redes sociais.
Esse é o momento de entrada na universidade, do peso das escolhas, e da perda da relação com amigos que muitas vezes estiveram presentes desde o início da infância. Além disso, experimenta-se um mundo de demandas muito diferentes na vida acadêmica: maior nível de exigência e rigor no cumprimento das atividades.
Não seria esse um processo natural da vida? Não foi sempre assim que as pessoas amadureceram? Ou acordamos e de repente nos tornamos adultos? Não se trata de um processo? Que fatores levam nossos estudantes a experimentarem cada vez mais episódios de depressão e ansiedade e consequente maior consumo de medicação para correção desses sintomas?
Na sociedade contemporânea, marcada pela rápida transformação da forma com que vivemos e nos relacionamos, a depressão e a ansiedade são muito mais comuns do que em outras épocas. De acordo com a OMS, esses são os transtornos mentais mais comuns em todo mundo, com destaque para a faixa etária em questão. Em pesquisa global feita pela OCDE em 2022 também se constata aumento na demanda por serviços de saúde mental para pessoas de 18 a 29 anos.
No Brasil, cerca de 33% das pessoas revelaram ter se sentido ansiosas ou deprimidas por duas semanas ou mais em pesquisa realizada pela Welcome Global Monitor em 2021. É claro que como consequência do aumento de diagnóstico, tem-se observado um aumento significativo no consumo de antidepressivos e estabilizadores de humor.
O consumo aumentou especialmente durante a pandemia da covid-19, impulsionado por fatores como estresse pelo isolamento social, alterações na rotina diária e incertezas econômicas e de saúde de forma geral. Este crescimento foi notável sobretudo em 2020, quando as vendas desses medicamentos cresceram cerca de 14% em comparação com 2019.
É recorrente que estudos médicos apontem preocupação com o uso de antidepressivos na adolescência, principalmente pela prática da automedicação. O sinal de alerta permanece aceso e aponta para perigo evidente. Medicamentos como fluoxetina, paroxetina, sertralina, venlafaxina e citalopram são frequentemente consumidos sem prescrição médica, o que pode levar à dependência e a efeitos adversos.
Jovens adultos e adolescentes, especialmente mulheres entre 19 e 23 anos residindo nas capitais, apresentaram crescimento considerável no consumo desses medicamentos: antidepressivos representam a maior parte do consumo, seguidos de sedativos e ansiolíticos.
Apesar do uso de medicação ser indicado para o alívio dos sintomas, melhora na qualidade de vida e prevenção de consequências graves (incluindo suicídio), pode trazer consequências que necessitam de atenção cuidadosa por parte de profissionais de saúde com orientação dos pacientes e de suas famílias. Efeitos colaterais incluem náusea, ganho ou perda de peso, tremores, sonolência ou insônia, boca seca, constipação, e disfunção sexual, podendo variar de leves a graves, impactando significativamente a qualidade de vida.
Alguns adolescentes e adultos jovens podem experimentar alterações no humor ou comportamento, como aumento da irritabilidade, agitação ou mesmo comportamentos agressivos. Há também relatos de aumento de pensamentos suicidas, especialmente no início do tratamento com antidepressivos.
O uso de medicação pode ainda, de forma equivocada, substituir a necessidade da psicoterapia. Quando se acredita que apenas a medicação resolverá o problema, que ela oferece alívio imediato para os males, perde-se a oportunidade de abordar o problema de forma mais consistente e muitas vezes definitiva. A conjugação de medicação e psicoterapia leva à melhoria dos quadros manifestados mais rápida e eficientemente.
A necessidade de estratégias sustentáveis para gerenciar o aumento da prevalência de transtornos de ansiedade e depressão se torna cada dia mais urgente. Diante da epidemia do século, a da depressão e ansiedade, a resposta não é trivial e requer uma abordagem que inclua não apenas a farmacoterapia, mas também a ampliação do acesso às psicoterapias, programas de bem-estar e iniciativas de saúde pública focadas na promoção da saúde mental.
As universidades precisam e devem preocupar-se com a qualidade de vida das pessoas que estão sob sua responsabilidade. Orientar, oferecer suporte adequado, encaminhar e cuidar de nossos estudantes requer ações desde o ingresso até a conclusão dos cursos. Saúde é um direito de todos e a saúde mental e bem-estar estão incluídos nessa categoria.
Fonte: Revista do Ensino Superior