OPINIÃO | Estudar ou apostar? Uma escolha que nunca deveria existir

Uma pesquisa recente da Abmes (Associação Brasileira de Mantenedoras do Ensino Superior) trouxe um dado tão alarmante quanto simbólico: 34% dos jovens brasileiros adiaram o ingresso no ensino superior por causa dos gastos com apostas online.
No Nordeste, o impacto é ainda maior: 44% disseram que não iniciaram os estudos por esse motivo. No Sudeste, são 41%.
Mais do que números, o que está por trás desses dados é uma narrativa que precisa ser ouvida com atenção. Trata-se de uma geração que, em meio a uma rotina marcada por instabilidade econômica, redes sociais que vendem uma falsa promessa de riqueza rápida e falta de oportunidades concretas, está sendo seduzida por um mercado de apostas altamente acessível — e extremamente predatório.
O chamado “jogo do tigrinho” e outros aplicativos de apostas se apresentam como um atalho. Um clique, um cadastro, um depósito — e a ilusão de que é possível sair da condição atual com um golpe de sorte. Enquanto isso, o acesso à educação continua sendo visto como um caminho longo, difícil e custoso.
Não à toa, quando se olha para o futuro, 34% dos jovens afirmam que precisarão interromper os gastos com apostas online para poder entrar no ensino superior em 2026.
Essa não é uma escolha livre. É uma consequência social, visto que o problema se agrava ainda mais quando olhamos para o recorte de renda. Entre os jovens das classes D e E — com renda familiar média de R$ 1.000 —, 43% afirmam que precisam parar de apostar para conseguir estudar. Na classe A, onde a renda média familiar é de R$ 26,8 mil, esse percentual cai para 22%.
Ou seja: quem mais precisa da educação como ferramenta de mobilidade social é também quem mais está sendo capturado por uma promessa de dinheiro fácil.
Esse ciclo é perverso. E ele não se resolve apenas com campanhas contra apostas. É preciso compreender o que leva esses jovens até lá: a ausência de perspectivas, a falta de apoio emocional e material, a pressão por resultados rápidos e a crença — alimentada diariamente por influenciadores e plataformas — de que enriquecer é uma questão de “tentar mais uma vez”.
O debate sobre o impacto das bets na juventude não pode se limitar à moralidade. É um tema de política pública, de regulação digital, de saúde mental e, principalmente, de responsabilidade coletiva com o futuro de milhões de brasileiros.
Educação não é um produto qualquer. É o principal vetor de transformação individual e social que conhecemos. Mas, para que ela seja de fato acessada, é preciso mais do que uma vaga em uma universidade. É preciso construir condições reais para que o jovem permaneça no caminho — e acredite nele.
Isso significa oferecer apoio financeiro, emocional, psicológico e pedagógico. Significa aproximar os modelos de ensino da realidade concreta dos estudantes. Significa, também, proteger a atenção, a energia e o dinheiro dessa geração de armadilhas digitais que exploram justamente o que ela tem de mais vulnerável: o desejo de mudar de vida.
A verdade é dura: hoje, muitos jovens apostam porque estudar parece inviável. E só vamos virar esse jogo quando estudar voltar a parecer possível — e valer a pena.
Por Fernanda Campos, COO e CPO da XP Educação, formada em engenharia pela Poli-USP com pós-graduação em Gestão e Empreendedorismo. Atua com inovação educacional e políticas de acesso à formação para jovens no Brasil.
Fonte: InfoMoney