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IES precisam desenvolver as competências socioemocionais dos estudantes

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O contexto atual é disruptivo e a inteligência artificial cumpre a promessa de realizar cada vez mais rápido as tarefas que demandam conhecimentos técnicos, o que potencializa a necessidade de os estudantes desenvolverem competências socioemocionais, ou soft skills. Em paralelo ao entusiasmo com a tecnologia, a atenção se volta à questão de como os estudantes vão lidar com as incertezas da contemporaneidade e como se tornar um profissional de excelência apesar – ou a partir – delas.

Em 2020, estudo do PageGroup mostrou que 61% dos empresários da América Latina afirmavam que a principal razão para as vagas não serem preenchidas à época era por causa da falta de competências comportamentais dos candidatos. Em 2022, estudo do Itaú Educação e Trabalho apontou que 77% dos jovens seguiam sendo dispensados por falta das mesmas competências socioemocionais.

Um programa para desenvolvimento dessas competências tornou-se obrigatório nas instituições de ensino superior. O relatório Future of Jobs do Fórum Econômico Mundial, que de maneira recorrente atualiza a lista das soft skills mais demandadas pelo mercado de trabalho, tem sido a baliza para determiná-las.

“Competências socioemocionais e híbridas, como pensamento analítico, pensamento criativo, resiliência, motivação, empatia e mentalidade investigativa, dentre outras, aparecem como competências centrais para as organizações atualmente. Nesse mesmo relatório, o desenvolvimento dessas competências é percebido como importante para os próximos anos no mundo do trabalho”, explica Ana Crispim, doutora em psicologia, gerente de pesquisa e membra do Laboratório de Ciências para Educação (eduLab21) do Instituto Ayrton Sena.

O desenvolvimento socioemocional vincula-se ao exercício do autoconhecimento, o que significa que o estudante precisa receber apoio adequado para saber quais recursos gostaria de desenvolver na sua trajetória. “Dados similares a estes, encontrados no Future of Jobs, auxiliam a entender essas tendências, mas é preciso considerar o contexto e as expectativas de cada pessoa.”

Karen Cristine Teixeira, também doutora em psicologia, gerente de pesquisa e membra do eduLab21, afirma que “professores de todas as áreas do conhecimento e componentes curriculares podem atuar de forma a apoiar o desenvolvimento socioemocional dos estudantes, mas, para que isso aconteça, é importante que todos tenham suporte de sua gestão”. Para um trabalho consistente e intencional, os docentes também precisam de formação.

“Isso quer dizer que o professor necessita ter acesso, vivenciar e refletir sobre os mesmos conteúdos e práticas pedagógicas oferecidos aos estudantes, para que estes tenham condições de conduzir esse processo de autoconhecimento e desenvolvimento de forma satisfatória. Isso inclui o letramento socioemocional – para conhecer as definições das competências, seus benefícios na vida das pessoas e como elas se expressam nas formas de agir, sentir e pensar –, passando pela vivência de atividades de autorreflexão”, detalha Karen.

Sucesso profissional

“Contratamos pelo hard skill e demitimos pelas soft skills.” A frase é recorrente entre recrutadores, conta Marcos Lemos, ph.D. em economia há 16 anos na Estácio, diretor da EnsineMe e responsável pelo desenvolvimento dos conteúdos de aprendizagem. Apesar de expressar uma realidade nas empresas, em meio às pesquisas para o desenvolvimento do Programa Socioemocional da Estácio, Lemos buscou dados que pudessem comprová-la. Encontrou em James Heckman, Prêmio Nobel de Economia em 2000, seu professor na Universidade de Chicago. “Ele via que não apenas os conhecimentos técnicos estariam por trás da explicação de por que as pessoas atingiam determinadas posições no mercado de trabalho; ele achava que faltava algo mais.”

No estudo Achievement Tests and the Role of Character in American Life, Heckman e Tim Kautz acompanharam a inserção no mercado de trabalho e a renda anual média dos alunos que obtiveram o diploma do High School via GED, o General Educational Development, que oferece um diploma equivalente ao High School para alunos que evadiram, e os comparou a estudantes formados pelo ciclo normal.

Quando Hackman fez a análise dos dados acerca de quem eram os alunos, como o background familiar e as situações que os levaram a evadir, identificou que eram alunos, na maioria, com história de vida mais confusa, com envolvimento em questões policiais e pequenos crimes, pouca socialização e sem habilidades para lidar com o dia a dia da sala de aula.

“Os que entraram via GED ficavam menos tempo nos empregos. Após cinco anos de obtenção do diploma atingiam uma renda média anual menor, cerca de um terço da renda daqueles que tinham obtido diploma de High School pelo ciclo normal. Está provado, pelo menos desde os estudos de Heckman, que ser bom tecnicamente não basta para o sucesso profissional e as soft skills são necessárias”, detalha Lemos.

Trilhas de competências

A Estácio lançou seu Programa Socioemocional em março deste ano e quer atingir os 750 mil alunos de graduação. Ofertado digitalmente, o projeto é destinado aos estudantes das duas modalidades, mas principalmente aos do EAD.

No presencial, explica Lemos, mesmo sem uma estruturação, por iniciativa do próprio professor, as competências são trabalhadas nas metodologias ativas, como no PBL – Project Based Learning –, oportunidade para o estudante exercitar competências como relacionamento interpessoal e capacidade de persuasão e negociação. “No presencial, esse desenvolvimento de competências socioemocionais já acontece há muito tempo, praticamente em todas as escolas, mas sem um padrão. Buscamos uma solução aplicável independentemente da modalidade, e que fosse escalável.”

Cada uma das trilhas tem custo de produção cerca de 50% mais caro do que a criação de uma disciplina, por conta dos objetos especiais, como games, simuladores, vídeos interativos, vídeos touch. “Conseguimos fazer esse tipo de investimento porque se dilui na escala.”

Lemos explica que o primeiro passo para a concepção do projeto foi determinar o portfólio de competências. “Reunimos tudo o que vem sendo pontuado nas Diretrizes Curriculares Nacionais e cruzamos com o levantamento do Fórum Econômico Mundial. Outra referência, muito utilizada por nós, é o Collaborative for Academic, Social and Emotional Learning (CA-SEL), que envolve pesquisadores de diferentes cidades dos EUA, como Yale, Universidade de Illinois, pessoas dos departamentos de educação dos grandes centros urbanos, como Nova York e Pensilvânia.”

As dez competências elencadas foram: resolução de problemas, pensamento crítico, criatividade, persuasão e negociação, empatia, inteligência emocional, produtividade, relacionamento interpessoal, autoconhecimento, autogestão. “São as competências que trabalhamos nas trilhas de formação e que acompanham os alunos do momento do ingresso até a colocação dele no mercado de trabalho”, detalha.

No projeto pedagógico concebido para as trilhas, a entrada do aluno no programa se dá no primeiro semestre, por meio do diagnóstico de competências. Respostas aos cases propostos revelam os níveis de empatia, criatividade e demais competências. “O aluno recebe um feedback com indicações claras, muitas vezes com comparações entre como ele se coloca e o que é esperado na formação que ele veio buscar”, explica Lemos.

Formação docente

A formação dos professores nas competências socioemocionais, tanto dos que ministram aulas presenciais quanto dos tutores do EAD, tem lugar na Universidade Corporativa da Estácio. “Cada vez mais o perfil dos alunos muda e o professor precisa ser capaz de lidar com turmas diversas, com diferentes backgrounds socioeconômicos, com situações de vida distintas e complexidades como ter que trabalhar e estudar, alguns mais velhos e outros mais jovens, enfim, esse mix que encontramos na sala de aula, reflexo de como é a sociedade.” A participação nas trilhas das competências socioemocionais é requerida dos professores e a adesão gera pontos nos programas de recompensas.

De acordo com Lemos, o engajamento dos docentes é altíssimo. Quanto aos estudantes, a receptividade é monitorada em tempo real por meio do Net Promoter Score (NPS), e também é alta. Outra indagação feita ao aluno, após o diagnóstico, é o quanto ele se identificou com o raio X das suas competências. Lemos conta que a aderência é de 89%, ou seja, é esse o percentual de alunos que responde “sou exatamente como vocês estão identificando que eu sou”.

Foco no Mercado

“Tanto do ponto de vista das hard skills quanto das soft skills, existe um gap muito grande entre o que as faculdades formam e o que o mercado precisa”, atesta Marcel Gama, CEO e vice-reitor do Centro Universitário Unifecaf, que tem seu campus em Taboão da Serra, São Paulo, e 400 polos EAD.

Diminuir esse gap e atender principalmente os estudantes das classes B2 e C são os objetivos da reengenharia acadêmica realizada na Unifecaf, o PIA 3.0 – Programa de Inovação Acadêmica 3.0. “O objetivo é promover a mobilidade social. Não se trata de empregar, pois nossos alunos já trabalham, mas facilitar a ascensão social do ponto de vista profissional”, afirma Gama.

Com o PIA 3.0, foram revistas as matrizes curriculares. As premissas para essa revisão partiram de pesquisa junto aos estudantes, que apontaram quais as empresas dos seus sonhos. Na outra ponta, junto às empresas, a pesquisa apontou as competências técnicas e socioemocionais – hard e soft skills – mais requeridas.

“A partir do momento em que pesquisamos requisitos para as vagas, encontramos, por exemplo, preenchimento de planilha Excell, gerenciamento de projetos, conhecer employer branding; no marketing é preciso conhecer sobre tráfego pago, analytics, SEO. Fomos mapeando e quando comparamos com as matrizes vimos que elas não preparavam os alunos para diversos desses requisitos. Fizemos uma mudança radical.”

Para Gama, boa parte das IES partem da falsa premissa de que as Diretrizes Curriculares Nacionais (DCNs) são restritivas em relação às matrizes curriculares. “As faculdades pegam cada item da DCN e transformam automaticamente numa disciplina. Entretanto, a DCN não fala qual é a carga horária de cada item”, explica. A reestruturação designou percentual pequeno de carga horária para a DCN e liberou carga horária para conteúdos que atendem mais diretamente ao mercado de trabalho.

“No marketing, por exemplo, ensinamos campanhas no Facebook e Instagram, além de Google Ads, Google Analytics, SEO. São itens fundamentais para o mercado de trabalho. Temos três mil horas de atenção desse aluno, por que as IES partem da premissa de que ele precisa fazer o curso fora? Eu internalizei na matriz, com 60 horas para ministrar apresentação de documentos e planilhas e mais 60 horas de planilhas avançadas.”

Elenco de competências e microcertificação

Na Unifecaf, os alunos desenvolvem 15 soft skills: empatia, inteligência emocional, comunicação, ética, criatividade, flexibilidade e resistência, liderança, proatividade, organização e gestão do tempo, raciocínio analítico, relacionamento interpessoal, resolução de problemas, trabalho sob pressão, visão sistêmica e pensamento computacional.

Os docentes contam com o auxílio de uma toolbox, que correlaciona a metodologia pedagógica para o manejo de cada uma das soft skills, com dinâmicas e incremento com o uso de mídias, além de um repositório de práticas docentes exitosas. Há uma toolbox para cursos presenciais e outra para os cursos EAD.

“Para desenvolver a capacidade de trabalhar sob pressão, temos uma atividade com tempo restrito. Tem uma questão valendo meio ponto extra na média e o aluno tem 20 minutos para solucionar uma atividade que se faz em duas horas. Através do tempo exíguo o aluno sai da zona de conforto e se capacita para lidar com essa adversidade. Outra possibilidade é a supressão de informações, que faz o aluno pesquisar na internet, anotar premissas.”

As microcertificações digitais oferecem visibilidade às competências, inclusive socioemocionais, que os estudantes adquirem ao longo da jornada. Na Unifecaf são emitidos badges. “Colocamos o aluno numa posição de vantagem competitiva no mercado de trabalho, com o mérito acadêmico para mostrar. É importante para reter o aluno, porque hoje ele é muito crítico em relação a gastar os quatro anos estudando, e por meio das microcertificações fica muito claro e materializado mentalmente o senso de progresso”, explica Gama.

Os estudantes são orientados a publicar seus badges no LinkedIn e a compor seu portfólio. “Cada vez mais é tendência mostrar que sabe fazer algo ao invés de dizer que sabe.” Se o aluno aprendeu a programar em Python, ele vai publicar “sei programar em Python, veja aqui o programa que eu fiz”. As entregas de tarefas em sala de aula para avaliação são oportunidades para o incremento desse portfólio.

Se um aluno de enfermagem adquirir os conceitos de tratamentos humanizados na saúde, item valorizado no mercado, pode coletar o depoimento de um paciente atendido por ele em estágio e publicar em seu portfólio o arquivo em áudio. No direito, é importante ter a capacidade de comunicação verbal adequada, por exemplo, para uma sustentação oral. “Oferecemos estudo de caso em que o aluno precisa realizar a sustentação oral. Ele grava e sobe a gravação no currículo – ‘tenho uma excelente capacidade de comunicação oral, clique aqui e veja minha sustentação oral’”, detalha.

Gama alerta, entretanto, para o cuidado com o excesso da microcertificação que pode incorrer em sua banalização. “O curso de administração tem cerca de 50 disciplinas e temos 19 certificações. Há cursos com menos. A microcertificação é para conhecimentos que são relevantes para o mercado. Por exemplo, não cabe microcertificação para Cálculo 2, disciplina do curso de engenharia. Na nossa concepção, saber cálculo 2 não é atraente, mas ‘circuitos elétricos’ é relevante”, finaliza.

Fonte: Revista Ensino Superior