Queda de matrículas nas Engenharias: como isso afeta a economia
Formar engenheiros qualificados e em quantidade adequada é essencial para qualquer plano de retomada da atividade econômica. No entanto, o que se observa atualmente no Brasil é justamente o contrário – a procura pelos cursos de Engenharia despencou nos últimos anos.
Em consequência disso, faltam engenheiros no mercado. De acordo com a CNI (Confederação Nacional da Indústria), o déficit já é de 75 mil profissionais.
Mais candidatos que vagas
Uma pesquisa da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp) mostrou que o número de calouros nos cursos de Engenharia vem diminuindo gradualmente no Brasil. Em 2019, por exemplo, a queda foi de 17% em comparação com o ano anterior. Só que, se a comparação for feita com 2014, a redução é bem maior – 39%.
Um fato a destacar é que a rede privada sofre mais os efeitos da falta de interesse dos jovens pela área. De 2014 a 2019, a queda na quantidade de ingressantes nas instituições de ensino superior (IES) particulares chegou a 48%. Ou seja, a procura caiu praticamente pela metade. Na rede pública, a diminuição foi de 3,6%.
O quadro é ainda mais grave se levarmos em conta os indicadores de evasão, que estão na ordem de 50% a 70%, de acordo Anderson Correia, reitor do ITA (Instituto Tecnológico de Aeronáutica). O resultado não poderia ser diferente: várias faculdades de Engenharia estão fechando as suas portas e decretando falência.
No cômputo geral, o número de alunos matriculados em IES particulares nessa graduação, na modalidade presencial, caiu 44,5% entre 2014 e 2020, como revelou o Valor Econômico. A diminuição é bastante superior à queda de 19,3% registrada no período, considerando a totalidade de cursos presenciais da rede privada.
Correia lembra que nem sempre foi assim. Na década de 1990, os cursos de Engenharia figuravam entre os mais disputados, tanto em universidades públicas quanto privadas. Atualmente, no ranking dos mais concorridos, estão abaixo de Psicologia, Design ou Cinema, só para citar alguns exemplos. “Como um país vai entrar na nova onda de industrialização mundial, com digitalização da indústria, inteligência artificial, robótica, nanotecnologia, se não tiver engenheiros na quantidade necessária?”, questiona o reitor do ITA.
Para se ter ideia da gravidade do quadro, há menos candidatos do que vagas nas IES brasileiras. Segundo o diretor da Faculdade de Engenharia da Universidade Federal de Juiz de Fora, Hélio Antônio da Silva Hélio, são ofertadas 302 mil vagas, mas somente 120 mil estão ocupadas.
Questões culturais
A pouca atratividade dos cursos de Engenharia é um fenômeno de alcance mundial. Mas, no Brasil, a situação parece ser mais grave: o problema não se restringe propriamente às Engenharias, estendendo-se a boa parte das áreas tecnológicas. É fato que cada vez menos estudantes demonstram interesse também Agronomia e Geociências.
Além disso, essa é uma profissão dependente da política econômica. A lógica é simples: se o país cresce, precisa de mais profissionais da área. Isso significa que existe uma forte relação entre os cursos de Engenharia e o ritmo de crescimento da economia.
Sendo assim, a queda nas matrículas tem a ver com a falta de fôlego da expansão econômica brasileira nos últimos anos, o que inclui um decréscimo da atividade industrial. Com isso, o mercado de trabalho não evolui. A remuneração dos profissionais deixa de ser atraente e muitas ofertas de emprego não oferecem a realização profissional almejada pelos jovens.
Há também uma questão cultural. Em declaração à Revista do Conselho Regional de Engenharia e Agronomia do Paraná (CREA-PR), o presidente do Instituto Lobo de Pesquisa e Gestão Educacional, Roberto Lobo, lembrou que o Brasil tem uma larga tradição de formar mais advogados do que engenheiros: “Ou seja, as empresas gastam mais dinheiro se defendendo dos tributos e processos do que em inovação”.
Outro detalhe a considerar é a baixa qualidade da educação básica no Brasil, o que se reflete no ensino superior. Há poucas experiências de educação digital, como atividades de computação, programação e robótica nos currículos tanto do ensino fundamental quanto do médio. Desse modo, os alunos não são estimulados a procurar cursos da área tecnológica na hora de decidir o seu futuro profissional.
Empresas têm dificuldades para achar profissionais qualificados
Além da baixa procura, a qualidade dos cursos é questionada, já que existe uma grande carência por bons profissionais na área. Pelo menos é o que mostrou o relatório O futuro das Engenharias no Brasil 2023, divulgado pela Mútua – Caixa de Assistência dos Profissionais do CREA. Conforme o levantamento, nada menos do que 70% das empresas consultadas afirmaram ter dificuldades para contratar engenheiros com a qualificação adequada.
De acordo com a pesquisa, mais de 50% dos profissionais são egressos de cursos com conceitos 1 e 2 (baixo desempenho) no Exame Nacional de Desempenho dos Estudantes (Enade). Milhares de profissionais não conseguem inserção no mercado ou atuam na informalidade. O trabalho da Mútua aponta ainda que, dos quase 1,3 milhão formados entre os anos 2000 e 2020, 477 mil não se registraram no Sistema Confea-CREA.
“A má formação não afeta somente os próprios profissionais, mas também o país, que não consegue se posicionar de forma competitiva em um ambiente global onde conhecimento e inovação definem quem terá relevância econômica e influência”, afirmou o engenheiro agrônomo Francisco Almeida, diretor presidente licenciado da Mútua.
Fonte: Desafios da Educação