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Saúde mental na universidade não pode ser discurso, tem que ser ação

R1

A saúde mental de crianças e adolescentes é um tema de crescente importância e interesse no cenário global de saúde pública e educação. Nas últimas décadas, temos observado uma crescente preocupação sobre os desafios enfrentados por essas faixas etárias em relação ao bem-estar e qualidade de vida, vistos numa perspectiva holística de saúde, incluindo aspectos físicos e emocionais. Nos últimos três anos, a pandemia da covid-19, mas não somente ela, trouxe à tona de forma enfática esse tema de grande complexidade para a educação e principalmente para a educação superior. 

Os desafios que envolvem a saúde mental infantojuvenil são multideterminados e abrangem uma variedade de aspectos interconectados, sendo impossível separá-los e entendê-los apenas sob uma única perspectiva. A pressão acadêmica crescente, a exposição precoce a tecnologias digitais, os impactos das redes sociais, o aumento das expectativas sociais, a quantidade de eventos traumáticos e estressantes, como bullying e eventos familiares disruptivos, são apenas algumas das muitas variáveis que contribuem para a compreensão abrangente dessa questão.

As IES exercem funções cruciais na sociedade, e sua missão principal é formar pessoas aptas para trabalhar com maior grau de eficiência profissional que sejam capazes de contribuir para o desenvolvimento econômico dos países. Além da formação profissional para o mundo do trabalho, essas instituições devem desenvolver, em seus estudantes, competências pessoais que possam garantir-lhes funcionamento social adequado e ação relevante na comunidade, e assim contribuir para o desenvolvimento social das comunidades de que participam, além do desenvolvimento econômico. 

Será que isso de fato acontece? Será que conseguimos pensar em nossos estudantes como pessoas que ainda estão em desenvolvimento? Será que nos preocupamos com algo além dos conteúdos que devem ser dominados e assimilados? Será que conhecemos ferramentas que nos permitam auxiliar nossos estudantes tanto do ponto da aprendizagem quanto do ponto de vista pessoal? Será que entendemos a educação superior como parte integrante da educação integral dos seres humanos e que nada está pronto até esse período?

Estas reflexões estão respaldadas por uma série de publicações no mundo todo sobre a saúde mental de jovens e de estudantes universitários. Sem dúvida alguma as preocupações são relevantes e afetam diretamente nosso modus operandi daqui para frente.

Uma pesquisa publicada em 2022 pelo The Healthy Minds Network e o American College Health Association informam que nos últimos seis anos houve um aumento de ansiedade entre estudantes americanos de 17% para 31%. Os dados da pesquisa foram coletados em 2020 diretamente de 18.764 estudantes de 14 universidades americanas. Também foi verificado que 60% dos estudantes tiveram o acesso aos serviços de saúde mental diminuído no período pandêmico, o que significou piora das condições emocionais para muitos. 

Estudos envolvendo outros países apontam para resultados semelhantes. De acordo com a Healthy Minds Survey, incluindo estudantes universitários do Reino Unido, Estados Unidos, Holanda, França, Espanha, Austrália e países nórdicos, cerca de 73% dos estudantes e 76% do staff lutam para manter o bem-estar. Estudantes que revelaram lutar para a manutenção do bem-estar apresentam duas vezes mais chances de desistir da escola. 

Em junho de 2022 a Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgou dados com uma revisão mundial sobre saúde mental. Já em 2019 cerca de 14% de adolescentes no mundo experimentaram algum transtorno mental. O suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes e a presença de transtornos mentais abrevia a vida da população em média entre 10 e 20 anos. A OMS neste documento convida os países a uma aceleração na implementação do Plano de Ação Integral de Saúde Mental 2013-2030. É preciso aprofundar o valor e o compromisso com a saúde mental.

Apesar de termos uma definição de saúde, dada pela OMS, como “estado de completo bem-estar físico, mental e social e não apenas a mera ausência de doença ou enfermidade” quando se aborda a questão mental há desconfiança, afastamento e fuga do tema. Parece que a responsabilidade é de alguém que está sempre distante do contexto abordado. Infelizmente ainda são muitos os preconceitos decorrentes do medo de repercussão negativa, da vulnerabilidade, de parecer fraqueza e por consequência ter repercussões para a vida pessoal e profissional.

Há um estigma em torno dos transtornos mentais, que mesmo diante de todos os avanços que temos experimentado, não se dissipa. Ao contrário, continua levando à discriminação e aos preconceitos que resultam em aumento de sintomas, mais dificuldades no trabalho e na escola, dificuldades nos relacionamentos e outros.

A Pesquisa Nacional de Saúde Escolar, divulgada em 13/07/2022 pelo jornal O Estado de São Paulo, realizada com 159 mil alunos de 13 a 17 anos das redes privada e pública de ensino, faz uma análise comparativa de diversos pontos da saúde escolar, inclusive saúde mental na década de 2009 a 2019. Os números apontam para um aumento de consumo de bebidas alcoólicas, mais evidente entre as meninas, o mesmo ocorrendo para o uso de drogas para ambos os gêneros. Antes da pandemia o isolamento social já era crescente e preocupante, principalmente entre as meninas. Cerca de 33,7% das meninas disseram que a “vida não vale a pena”, contra 14% dos meninos.

A insatisfação com o próprio corpo também aumentou tanto para a percepção de obesidade quanto para a magreza. A violência sofrida em casa também aumentou progressivamente. A discussão em foco no documento faz alusão a quanto a pandemia pode ter potencializado as dificuldades dos alunos tanto no período em que permaneceram em casa, quanto na volta ao ensino presencial. A ansiedade tem sido o fator mais observado nos estudantes, por escolas públicas e privadas de ensino.

Em face a esse cenário preocupante, infelizmente não se observam serviços relevantes em resposta aos sérios desafios abordados. A maioria das IES mantém um serviço de atendimento psicopedagógico como forma de cumprir uma exigência do Ministério da Educação e não como uma célula acadêmica capaz de gerar ações que permitam apoiar os estudantes no enfrentamento de problemas de saúde mental ou de sua prevenção.

Não há mais espaço para que instituições se calem diante da realidade que temos experimentado. Gestores e docentes precisam trabalhar para atuar de maneira assertiva nesse novo cenário que vivemos de ocorrência de problemas mentais cada vez mais cedo e do aumento inegável do número de suicídios que hoje afeta adolescentes e até mesmo crianças.

A criação de programas especiais de atendimento é urgente e deve ser um compromisso para todos os que atuam na educação, e em todos os níveis. Não basta pensarmos que o sucesso acadêmico é cumprimento da nossa tarefa como gestores educacionais, pois bem-estar é mais que isso.

Precisamos pensar em melhorar a qualidade de vida por meio da instrução, do lazer, do fortalecimento das relações interpessoais e do apoio que a maioria dos estudantes precisa quando chega à educação superior. Ampliar nosso escopo de ação não é mais um desejo e sim uma necessidade diante de tantas incertezas e sofrimento de nossos estudantes. É preciso agir, e sem demora.

Fonte: Revista Ensino Superior