Sem definição e com alta inadimplência, novo Fies atrasa e preocupa universitários
Apesar da previsão dada pelo ministro da Educação, Camilo Santana, ao longo de 2023, o redesenho do Fundo de Financiamento ao Estudante do Ensino Superior (Fies) ainda não saiu do papel. O esforço, segundo o ministro, é que o texto seja encaminhado ao Congresso até o final de janeiro, mas a iniciativa depende de outros ministérios e do aval da Casa Civil.
O GLOBO ouviu o relato de universitários que aderiram ao programa do governo e demonstram temor de não concluírem as graduações por não conseguirem arcar com os custos. Criado em 2001, o Fies se propõe a financiar a graduação em instituições de ensino superior privadas, a partir da nota do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). O fundo passou por mudanças ao longo dos 23 anos.
— A cada novo aumento, eu tenho me encontrado em situação de desespero, pois não tenho conseguido arcar com a coparticipação ao longo do semestre. Ao ter que pagar as parcelas em atraso para renovar o contrato, eu me vejo obrigada a implorar empréstimos para familiares — conta a estudante de medicina em Salvador, Helen Nascimento, que relata só ter chegado à reta final do curso com a ajuda de familiares, além de se endividar com instituições financeiras — Minha mãe também pega empréstimo em bancos, já perdi a conta dos juros que temos pagado — diz Helen, no oitavo período da faculdade.
O número de beneficiados pelo Fies vem caindo desde 2017, quando a lei endureceu os critérios de acesso. Em 2016, houve 203 mil contratos, número maior do que os que foram feitos entre 2020 e 2023. Em 2019, antes dos impactos da pandemia de Covid-19, houve uma queda para 85 mil alunos financiados.
Em evento na última terça-feira, Santana sinalizou que o programa deve voltar com a possibilidade de financiamento total das mensalidades dos cursos, ou seja, 100% dos custos, o que havia sido extinto a partir de 2017. Segundo o ministro, o novo Fies vai implementar critérios mais rígidos de acesso, além de diminuir a inadimplência.
— O que temos identificado é que eles às vezes financiam o curso em (por exemplo) 70% e têm dificuldade para pagar a prestação de 30%. Isso gera inadimplência. Queremos fazer um processo justo a partir da renda — declarou.
No terceiro período de odontologia, Cleudemir Soares teme ter que deixar o curso pelo valor da coparticipação. O estudante deposita as esperanças na possibilidade do retorno de 100% do financiamento.
— Vi no Fies uma possibilidade de tornar meu sonho uma realidade, visto que sou de uma família carente e não tenho condições para arcar com as mensalidades. Se o Fies não voltar a ser 100% (financiado), infelizmente vou ter que dar uma pausa nesse meu sonho. Semestralmente a mensalidade aumenta, enquanto o financiamento que conseguimos lá no início do curso continua o mesmo — relata.
Abandono e expectativa
Já a baiana Priscila Tavares, que cursava medicina, conta ter abandonado o ensino superior por não ter renda o suficiente para pagar a coparticipação que, segundo ela, subia a cada semestre:
— Tive que desistir do meu sonho porque já não tinha mais recursos para continuar estudando. Nem consegui trancar porque a faculdade não me deu essa opção, então acabei abandonando o curso e continuei com a dívida que cresce a cada dia. Estou sem perspectiva nenhuma de voltar.
Em entrevista ao GLOBO, em novembro de 2023, o ministro afirmou que o novo projeto já estava fechado e pronto para ser encaminhado para o Congresso até dezembro, mas a promessa não foi cumprida. Santana salientou que o novo programa vai trazer condições especiais para as licenciaturas e diminuir o número de vagas para 100 mil por ano.
Em nota, o MEC afirmou que a discussão para reestruturação do Fies segue no âmbito do grupo de trabalho da pasta. No entanto, o ministério não deu previsão para o texto ser enviado ao Congresso. “O novo desenho do Fies será oportunamente anunciado, com devida aprovação pelo Comitê Gestor do Fies (CGFIES), colegiado composto por representantes dos ministérios da Educação, da Fazenda, Planejamento, Desenvolvimento e Gestão e da Casa Civil da Presidência da República”, diz o MEC.
Fonte: O GLOBO