O cenário da pós-graduação no Brasil
Desde o primeiro semestre de 2023, recebemos de gestores de pós-graduação lato sensu de instituições de ensino superior de diferentes portes e posicionamentos, questionamentos sobre o que está acontecendo no mercado de pós-graduação no Brasil.
Depois de um período em crescente expansão, marcado por bons resultados e entusiasmo, esse negócio parece ter começado a “andar de lado”. IES que investiram em pós-graduação passaram a relatar queda na procura, diminuição de ingressantes e, ainda, reduções tanto de turmas formadas, de alunos por sala e até na participação na receita total das IES.
No primeiro trimestre de 2024, durante contatos informais com dirigentes de IES, o que se ouve é que a captação das graduações, em especial dos cursos da área de saúde (com destaque para psicologia) e de alguns cursos de tecnologia da informação, apresentou leve melhora. No entanto, o cenário na pós-graduação lato sensu segue estagnado em relação ao ano passado.
Entre os docentes e coordenadores de cursos, o sentimento é o mesmo: muita preocupação. Entre elas, escassez de aulas e, até mesmo, os professores medalhões – que normalmente tinham agendas travadas para mais de um ano – passaram a entrar em contato com os coordenadores informando sua disponibilidade para assumir aulas.
Em função desses sinais, o Instituto Semesp produziu no segundo semestre de 2023 a Pesquisa de pós-graduação (Lato Sensu) 2023 – um diagnóstico sobre os cursos de especialização no Brasil. O material pode ser visto aqui.
Vamos primeiro às boas notícias. Pelos dados da PNAD/IBGE, o número de alunos na pós-graduação no Brasil ultrapassou 1,4 milhões em 2023, sendo que 86,3% deles estudam em IES privadas. Apesar do grande crescimento nos últimos anos, ainda existe um grande potencial para a pós-graduação no país, uma vez que apenas 4,3% da população com mais de 24 anos no Brasil já frequentou a especialização.
Os dados mostram que 15,6% dessa população com mais de 24 anos, que já frequentou a graduação, ainda não fez nenhuma pós-graduação, indicando haver um elevado estoque de alunos a ser captado para essa modalidade de ensino.
Outro ponto positivo apresentado no estudo é que o rendimento médio dos alunos que cursam pós-graduação é mais que o dobro (113% maior) do que o dos alunos que têm só a graduação. Portanto, fazer uma especialização, na média, ainda costuma ser um excelente negócio.
Em uma pesquisa amostral que o Semesp realizou nesse estudo com egressos da graduação, foi perguntado sobre qual era o interesse em cursar uma pós-graduação. Do total da amostra, apenas 5,6% declarou não ter interesse em fazer uma pós, contra 64,6% que responderam ter interesse e 29,5% que disseram já estar cursando ou já terem cursado.
Uma série de outras perguntas indicaram que os pesquisados consideram os cursos de pós-graduação oferecidos “adequados e importantes” para atuação no mercado. E afirmaram ainda que os cursos de curta duração e outras modalidades de educação continuada na sua visão não substituem os cursos de pós-graduação.
De maneira geral, os números da PNAD/IBGE mostram um cenário bastante interessante em relação ao potencial de mercado e ao interesse dos graduados em continuar os estudos em cursos de pós-graduação. Indicam ainda que esse é um caminho que gera um diferencial competitivo para os alunos no mercado de trabalho.
E quais são os desafios que as IES estão enfrentando na pós?
O primeiro e mais relevante desafio é a concorrência. No Brasil há mais de 2,1 mil instituições de ensino superior que ofertam cursos de especialização nas modalidades presencial e EAD, ou seja, mais de 90% das IES passaram a ofertar esses programas. Além disso, o número de cursos ofertados é muito grande. Em 2023 eram 173 mil cursos ativos (96,5% deles ofertados por IES privadas), indicando um crescimento de 136% em relação a 2019. Ou seja, nos últimos quatro anos o número de cursos de pós ofertados mais do que dobrou e chegamos a uma média de mais de 60 cursos por IES.
Outro desafio é que a maioria dos cursos ativos de pós-graduação passou a ser ofertado na modalidade a distância. Em 2019, eram apenas 22% na modalidade online contra 78% presenciais, mas a partir de 2023 os cursos online passaram a representar 54% do total da oferta, enquanto os presenciais 46%. E essa mudança causou um forte impacto na concorrência, que deixa de ser predominantemente local para ser nacional, e isso implica passar a concorrer com players mais poderosos, que possuem vantagens competitivas decorrentes de escala e escopo, que são muito importantes principalmente para o EAD.
Portanto, o que está acontecendo é que o mercado de pós-graduação mudou. Não é que ele diminuiu, pois mesmo com taxas menores (a partir de 2019) ele continuou crescendo. O que de mais relevante ocorreu é que a concorrência aumentou, o perfil da oferta mudou e os players com quem competimos também mudaram.
A boa notícia é que os alunos ainda querem fazer pós-graduação e que há contingente enorme a ser atraído para nossos programas de pós-graduação. Mas, para isso, provavelmente nosso portfólio de cursos, formato de oferta, proposta de valor, modelo de precificação e uma série de outros atributos precisarão mudar, pois o aluno, assim como a concorrência, também mudou.
Fonte: Revista do Ensino Superior